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Cobertura Rec-Beat 2009








Clipagem do idéia-fixa: disponibilizamos o texto publicado na quarta-feira ingrata (25/02), pelo jornal Gazeta de Alagoas, com a cobertura de três dias do festival Rec-Beat 2009. Texto de Carla Castellotti & fotos de Talita Marques.

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UMA JANELA PARA OS SONS DO MUNDO

Prestes a estrear sua “edição paulistana” – amanhã, no SescPompeia –, neste carnaval o Rec-Beat 2009 transformou o Caisda Alfândega, no Recife, numa verdadeira “babel” de sotaques musicais. A Gazeta esteve láe mostra por que na cena independente ninguém precisa ser poliglota para entender qualé o grande barato da música

Recife, PE – O que começou como uma tentativa de impulsionara cena musical independente do Recife virou festival – que alça novos voos a partir desta quinta-feira (26), com a abertura da “edição paulistana” do evento. Mas o fato é que a ida do Rec-Beat para São Paulo não é bacana somente por levar bandas do Nordeste até o “olho do furacão” no centro cultural do País. Também serve para mostrar que o“independente” se vira e, mais ainda, que conta com a (boa) vontade daqueles que trabalham para movimentar as engrenagens desse “nicho” cuja produção se transformou na salvação de muitagente que não está a fim de ouvir mais do mesmo. Produzido por Antonio Gutierrez, o Gutie, neste carnaval o Rec-Beat apresentou cinco atrações da América do Sul, como oDJ Original Hamster (do Chile) e os venezuelanos do DesordenPúblico, que evocaram um ska de primeira em sua performance. Houve ainda um representante da música africana, o angolano Wyza, e até mesmo o ucraniano Gogol Bordello, que trouxe seu inegável espírito carnavalesco para o festival. Mas para além dessa “antena ligada” na música independente que é produzida mundo afora, o Rec-Beat 2009 reuniu nomes já consagrados da cena musical pernambucana, a exemplo do DJDolores e da banda Eddie, e abriu espaço para grupos que usam ainternet para fazer som autoral,como os potiguares da Camarones Orquestra Guitarrística ou osparaibanos do Burro Morto. Nos quatro dias de festival, 20 bandas subiram ao palco, mostrando– de graça – a originalidade e a competência da música independente. O resto ficou por contado clima todo próprio do carnaval pernambucano. Confira na sequência.

DOLORES E RUSSO FREVO

No Sábado de Zé Pereira, primeira noite do festival, a chuva caía sem dar trégua. Destacada para “abrir os trabalhos”, Catarina Dee Jah tocou para o pequeno público que acompanhou a apresentação, mostrando a misturade som eletrônico e pegada brega que virou “cool” no turbilhão de novidades musicais da internet.


Devido à chuva, porém, quem acabou de fato abrindo o festival foi o pessoal da Camarones Orquestra Guitarrística, que trouxe de Natal (RN) uma performance rock’n’roll instrumental – e aí o público começou a enchero espaço do Cais da Alfândega. A noite seguiu com a primeira atração internacional do Rec-Beat, o DJ chileno Original Hamster, que se dividia entre os botões das pick-ups e os vocais. O show se prolongou mais do que o necessário, e a plateia só se animava quando ele “jogava”com ritmos de ragga.

Na hora em que o DJ Dolores subiu ao palco, o Cais da Alfândega já estava tomado para o que viria a ser o melhor show da noite. Dolores se apresentou com banda e vocal de Junior Black(Negroove), e sua mistura de ritmos regionais e música eletrônica – a exemplo da versão que “aglutinou” O Crime Não Compensa (GenivalMacedo/Eleno Clemente), do repertório de Jackson do Pandeiro, com Seven Nation Army, do White Stripes – casou muito bem. O povo não parava de dançar.

Com o cancelamento do show do “papa do hip-hop”Afrika Bambaataa, foi um“elemento-surpresa” quem encerrou a noite do primeiro dia de festival: Gogol Bordello, cuja apresentação contou com o auxílio de um DJ, um vocalista e de uma espécie de tradutora simultânea e dançarina do gypsy punk. Valeu mais pela presença do performático Eugene Hütz do que pelo som executado. O problema é que muitas das bases já estavam gravadas– inclusive algumas de vocal –, e o show ganhou um tom improvisado, ainda assim capaz de agradar, em especial durante a execução de “coisas nossas” como MorenaTropicana (Alceu Valença/Vicente Barreto). O frontman também aproveitou a ocasião para mostrar uma música nova, Russo Frevo, na qual declara sua simpatia pelo carnaval do Recife.

PLURAL E ESPONTÂNEO

O domingo se iniciava como que prometia ser o últimoano do bloco Quanta Ladeira– em atividade desde 1994 e com o cantor Lenine entre seus fundadores, a agremiação reuniu famosos de Pernambuco e artistas que estavam pelo Recife durante o carnaval, a exemplo do DJ Dolores, da cantora Pitty e do produtor musical Nelson Motta. Os próprios integrantes do bloco fazem questão de dizer que tudo se trata de uma grande“fuleiragem”, na qual os convidados cantam de improviso as músicas parodiadas de temas cotidianos, brincando com personagens como políticos e celebridades.

A segunda noite do Rec-Beat foi aberta pelos meninos do River Raid, que já têm dez anos de carreira nas costas. Com seu rock afiado, eles mostraram por que são capazes de tocar em festivais alternativos internacionais e chamaram o público para o Cais da Alfândega. ClayRoss, vindo dos EstadosUnidos, demonstrou que é possível um gringo tocar (bem) música brasileira, e de forma honesta. O guitarrista passeou por entre ritmos folclóricos nacionais e estadunidenses e, falando em português, explicou que seu afeto por essas terras vem da nossa pluralidade musical. Com texto decorado, o rapaz falou bonito e fez o público dançar forró em pleno carnaval.

Garoto-prodígio do piano, Vitor Araújo é bom, mas como cada tipo de festa exige um traje adequado, ele destoou da programação. Cansou o público. Wyza, músico angolano, tinha o acompanhamento de uma banda formada por brasileiros – responsáveis, inclusive, por fazer o contato com o festival. Sua música evidenciava o regional, com letras cantadas em diferentes dialetos do continente africano.

Tocando sucessos conhecidosdo público, como Maranguape (em homenagemao mestre Erasto Vasconcelos), a banda Eddie fechou a noite e ainda mostrou o repertório do recém lançado Carnaval no Inferno, seu novo álbum. Acachapante, a apresentação lembrou a todos o espírito daquilo que um dia já foi mais comum em festivais alternativos, como “divulgar o som” vendendo CDs depois de terminado o show.

SEGUNDA-FEIRA GORDA

E o festival continuou na segunda-feira (23). Dessa vez a atração de abertura veio da periferia, mas tocava axé e tinha vínculos com o “independente”. A mistura, apesar de estranha, arrastou uma multidão ao corredor do Cais da Alfândega, onde o cantor João do Morro – produzido por Antonio Gutierrez, idealizador do Rec-Beat – foi ovacionado pelo público e ficou visivelmente emocionado coma resposta da platéia durante seus 60 minutos de show.

O Nuages, do Equador, é uma daquelas atrações cujo som é cheio de peculiaridades. Querendo mostrar um carnaval cigano, a banda conseguiu apenas despertar a curiosidade de parte do público. Já o ska do Maria Pastora, uma bela banda do Recife repleta de metais, passeou pelo estilo tocando clássicos como Monkey Man, preparando a atmosfera para a grande atração da noite: SilviaMachete.

Quando a nova cantora da MPB surgiu, Recife estava de baixod’água. Porém, com o humor próprio de quem usa uma pomba na cabeça, ela driblou os problemas e mandou ver com seus sucessos– para arrebatar os corações românticos, porém safados. Sim, nada melhor para embalar um carnaval... Silvia brincava com o bambolê e com o público, que encarou o toró e não arredou o pé diante de sua apresentação cheia de performances e de releituras para canções como Girls Just Wanna Have Fun e Garota de Ipanema. O Rec-Beat foi o maior público da cantora e artista de circo, e seu show provavelmente um dos destaques desta edição.

Fechando a noite, outra banda de ska, só que mais influenciada pela pegada punk-rock e com letras combativas. Da Venezuela, o Desorden Público reuniu vários músicos trajados de paletó preto, que fizeram um show divertido. Encerrava-se ali o penúltimo dia de festival– o Cordel do Fogo Encantado seria a atração da terça.

Ok, na volatilidade dos dias de hoje não dá para arriscar previsões sobre aquilo que realmente ficará para contar história. Mas são iniciativas como a do Rec-Beat que tornam possível alavancar a carreira de muita gente boa. Uma dessas promessas é Silvia Machete, que depois de merecidos elogios do produtor-pop Nelson Motta e de seu primeiro show para um grande público, só precisa de tempo para deslanchar.

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