20090422

Relato anacolútico da procissão recifense de música: segundo dia


Há algum tempo não ia tão simpática acompanhar uma maratona de bandas. Tinha apreço moderado por quase todas ou ao menos por podê-las ouvir no mesmo dia. No luxuosíssimo Credicard Hall, não havia filas para comprar drinks e os toiletes eram equipados com papel higiênico da mais alta qualidade. Não se sentia calor e a tradicional lama, íntima aos freqüentadores do Festival em tempos de Centro de Convenções, não havia sido convidada.

A primeira banda a se apresentar, às 18h30, foi a performática Johnny Hooker & Candeias Rock City. Johnny entrou super glamouroso, vomitando impropérios e causando, como não deixaria de ser. O problema foi o horário, as pessoas ainda sóbrias; os mais excitados (tradução ruim) eram os amigos de bairro do crooner, que efusivamente respondiam às malcriações do danadinho. Foi esquema Escola do Rock Glam – todas as firulas inclusas. Trocas de roupas, rebeldjia, palavras de baixo calão, apologia à maconha (transgressor pacas) e o clímax da coisa, Johnny e duas mocinhas que entraram enxeridas com seus chicotinhos e, após algum floreio, tiraram as blusas. Deu-se o ménage no palco, o que fez acordar as almas que ainda estavam se situando. Apesar de eu achar uma banda a ser escalada para ser, no mínimo, a terceira a se apresentar, foi um início emblemático, que eu adorei ter visto.

Absolutamente strokeana e sem fazer a menor questão de esconder tal fato, a pernambucana The Keith entrou na seqüência, com um som massa, difícil de não simpatizar. A banda, cujas letras eram em inglês, tinha um vocalista que era total Casablancas – até as calças apertadas deixavam o popô dele parecido. Cantaram um cover do The Turtles, So Happy Together, uma coisa meio desastrosa, mas acho que ninguém se importou tanto. O Gabriel virou e disse: “O vocalista é o homem mais bonito que eu já vi”. Como adendo, Gabriel é hetero.

Na seqüência, Vivendo do Ócio. As letras em português quebraram um pouco a sonoridade do que vinha sendo ouvido; agora, poderiam ser entendidas por mais gente. Ao menos para alguns, já que o som não estava lá gradiscoisa. Os baianos fizeram um róque que me soou meio genérico, com letras magras, exceto por uma canção, intitulada Fora, Mônica. Os quatro rapazes tocaram Raul na moral, representando o Estado; o público se quedou meio apático nessa hora, talvez Nós Não Vamos Pagar Nada não tenha sido a melhor escolha. Eu achei paia, mas estava na terceira dose de vodca, com a felicidade se encaminhando, tudo se resolvendo.




O segundo grupo baiano representou de verdade. Power trio irado (de ira), a Retrofoguetes veio vestida de macacões de gari, com jeito de quem queria tocar o terror de facto. O baixista, quase um Kid Rock, era um magro com uma cabeleira loira fininha e um chapéu de cowboy. Uma banda instrumental pra segurar a história toda tem mesmo de ser muito boa. Foi o caso dos virtuosos conterrâneos de Pepeu Gomes, que tocaram cerca de seis peças de música surfista, outras tantas meio trilhas de ficção científica, passeando por uma coisa meio Gogol Bordelo (muito hype no mundo indie). Sim, ainda teve uma versão de Misirlou, bem parecida com a de Dick Dale para a trilha de Pulp Fiction.

E Jon Spencer. Digo, Heavy Trash. A indumentária dos músicos, os cabelos lindamente ensebados com topetes e o baixo acústico davam ao concerto toda a mise em scéne dos cinqüentas (usarei trema até depois de 2010). Teve rockabilly feroz e também folkzinho ótimo com vocal fanhoso. Sobretudo frustração de expectativas e músicas saborosamente intermináveis. Mas o som estava muito baixinho, bem além do intimismo, deu um pouquinho de vergonha. O Rodolfo dizia: “Jon Spencer, véi! Até pegar a Winona Rider o cara pegou”. Eu disse a ele que é óbvio que quem decide essas coisas é a Winona.




A Volver apareceu depois, botando banca. Famosa em Recife, rolava um “canta com a gente” tranqüilo. Bandeira do Brasil no palco, como se não soubéssemos. Músicas pouco distintas umas das outras, com exceção do hit, Tão Perto Tão Certo, destoante de alguma forma das outras composições. No final, cantaram não sei por que uma música do Fagner – talvez por estar ligada a Cecília Meireles, não sei –, aquela que diz: “quando penso em você, fecho os olhos de saudaaaaadeee...”. Mais no finalzinho desse cover, o vocal soltou um “são as águas de março fechando o verão” e a gente ficou se olhando pensando: “que poha é essa, beesho?!”. Daí, fim. Cabou, abstrai: vã beber. Gabriel vira para mim e desabafa: “Preferia ter visto Skank, cara”.

Ainda eram 22h45 quando a sétima banda se apresentou. A trilíngüe Vanguart chegou chegando com Los Chicos de Ayer. O molejo matogrossense do baixista Reginaldo Lincoln (sexy) sempre me encantou, são uns passinhos curiosos que ele ensaia enquanto toca seu instrumento posicionado acima do umbigo. Uma música nova foi apresentada, de nome Robert, que Hélio Flanders explicou para confundir ser algo que todos os cuiabanos conhecem. Uma versão muito bonita de O Mar, de Dorival Caymmi, começa com uma cadência abaixo até que anima e vira quadrilha. E a última música foi Semáforo. E todos os meus amigos fumam e querem morrer; eu queria parar.

Não se pode dizer que o show da estourada Móveis Colônias de Acaju, ou Móveis (porque dá preguiça falar e muita), foi uma igreja, como o de Marcelo Camelo. Talvez uma orgia com muitos partidários. As mudanças no palco eram aparentes. Decoração colorida, os dez rapazes com calças brancas e blusas multicolores, além de um plus inegável em qualquer festival alternativo: chuva de papel picado. Houve também uma meia dúzia de isqueiros acesos (gente feliz, que se ama, não fuma) e muitas mãos levantadas leste-oeste. Coisa muito fina, mesmo. E muito alegre, tudo a ver com o Carnaval, com o frevo. Digamos que Goiânia está para a música do leste europeu assim como Recife está para o frevo. Fizeram a roda no final e tudo virou uma micareta insana. Eu gosto dessa banda, mas o show era tão tão feliz que me deixou meio deprê. Até Portishead ficou sorridente com a versão que eles fizeram de Glory Box.

Comemorando 25 anos de existência, a banda Mundo Livre s/a fez um show de 40 minutos com novos arranjos eletrônicos, mas que não fez jus à solenidade tão especial. Não sei se pelo cansaço do público, por Recife estar acostumada a assistir sempre aos shows da banda ou pelas polêmicas de 04, mas o público estava pouco ruidoso. Tocaram duas canções novas, seguidas por um apanhado de sucessos como Bolo de Ameixa e Melô das Musas, músicas que transitam pelo tênue fio de náilon entre o machismo e elogio às mulheres gostosas (mas só às gostosas).

Os sinos badalam e os fiéis entram na igreja. O problema, veja bem, não é o Marcelo Camelo, que fechou o segundo dia do Festival, mas esse público Los Hermanos. Tentei me concentrar um pouco no Hurtmold, banda linda que emoldura o rapaz. O mic do Camelo estava alto, o que foi funcional demais. É um cd muito bonito, muito triste, que bate insistente em teclas como a volatilidade de tudo e, claro, a solidão. Ouvi belas canções como Doce Solidão (título de forró estilizado) e Mais Tarde. Tocou Janta sozinho e fez uma pausa suspeita no final, o que os meninos interpretaram como uma lágrima fugidia. Aí perto de duas da madruga acabou geral, estávamos podres e esfarrapados. Fomos comer sanduíches e falar mal das pessoas.

talita marques

Um comentário:

Dionísio disse...

(só agora achei um lugar pra comentar nos seus "n" blogs rsrs)

tinha ouvido falar, nunca procurei saber :x
obrigado pela sugestão :)
nem assisti, nem ouvi Californication :P

vou mascar um Trident do azul,
beijón
:)