20091020

| MERCADO FONOGRÁFICO |


Para além da criação, o futuro da música
Quarta edição do Porto Musical reuniu artistas e produtores do Recife; em discussão, as mudanças no consumo na era de internet

TALITA MARQUES *
Especial para a Gazeta
28.06.09


Recife, PE – As adjacências da Torre Malakoff, no Recife, foram tomadas por gente que, de alguma forma, tinha ligação com a chamada “música independente”. Mas o motivo do encontro foi mesmo o Porto Musical, evento realizado entre os dias 17 e 20 de junho com o objetivo de discutir o futuro da música na era das maiores mudanças já surgidas no segmento da indústria fonográfica – se é que ainda podemos usar esse termo. Como previsto, não se chegou a conclusão alguma sobre “como fazer música” nestes nossos novos tempos, mas ótimas discussões foram travadas.

As palestras tinham peso e, ao mesmo tempo, atmosfera intimista. E ao contrário do que costuma ocorrer em outros grandes eventos do gênero, ali foi possível discutir dentro e fora do ambiente das palestras. Do vinil ao mp3, toda a história do consumo de música foi destrinchada. Sem dúvida, a publicidade agora é uma atribuição dos próprios músicos – e as estratégias de divulgação fazem escala, necessariamente, na internet. Indústria e músicos se fizeram representar nos debates. Antes em lados opostos, antagônicos, hoje eles vivem um outro momento, no qual a indústria fala de forma mais humilde (embora um tanto contrariada) e os músicos se mostram mais autônomos (mas ainda assim preocupados com o porvir).

Mesmo que nem sempre tragam lucro, os festivais foram apontados como estratégias benéficas de exposição e expansão das redes de relacionamento. As “condições de vida” da música independente também tiveram espaço nos debates. Em um deles, encabeçado pelo chairman e pelo vice-presidente da Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin) – Fabrício de Almeida Nobre e Pablo Capilé, respectivamente –, discutia-se o significado do sucesso para um músico. “Para alguns, sucesso é pagar conta, como um pedreiro”, pontuava um aborrecido Fabrício Nobre, aludindo à respeitável, porém não muito artística profissão.

O copyleft – a liberação, por parte dos artistas, de seus direitos autorais – pode contribuir para a perda de benefícios comuns, deixando vulnerável o futuro dos músicos. Sem respaldo legal, eles podem acabar obrigados a fazer shows pelo resto da vida para sobreviver, imposição um tanto quanto atroz para um compositor, por exemplo.

À noite, os showcases animavam o povo no Porto Musical. Um dos destaques foi o do paulista Curumin, que conseguiu dar um pulinho no Recife em meio à sua turnê estadunidense e entoou hits de seu segundo álbum, Japan Pop Show. Nas picapes, a festa mais animada foi orquestrada pelo DJ servo Robert Soko, que abarrotou a pista da Torre Malakoff. O som dionisíaco do leste europeu, mais precisamente da península balcânica, é o que há de mais hype nas pistas do Velho Mundo e fez combinação perfeita com a cerveja gelada.

No final de tudo, teve uma boa nova. Para a grande maioria dos conferencistas, gente das mais diferentes linhas de pensamento, a música ainda é o ponto nodal. Não há estratégia de produção que possa realmente atropelar a criação musical. Por outro lado, o comportamento naïf, de não se valer das ferramentas disponíveis, em nada ajuda. O conhecimento dessa aliança entre “exposição virtual” e “foco na música” já constitui um excelente início. Confirmando isso, o diretor criativo de um dos maiores festivais de música do planeta, o South by Southwest: após tecer um plano estratégico de como uma banda deve se preparar para turnês nos EUA, Brent Grulke finalizou reafirmando que, “como seres humanos, vocês devem celebrar. A arte sempre será mais importante”.


PONTOS ALTOS - Vozes que dizeram a diferença no Porto Musical 2009

SEYMOUR STEIN
Fundador da Sire Records, atual vice-presidente da Warner Bros. e produtor de nomes como Ramones, The Cure e Madonna, Stein apresentou-se duas vezes, uma entrevistado porGerard Seligman, diretor geral da Womex, e outra ao lado do “medalhão” André Midani. Para ele, a tão falada crise não começou agora, mas há muitos anos. “Ela não nos abalará porque a música não é um luxo, é uma necessidade”. Ao final da palestra, visivelmente emocionado, desabafou: “Sou parte da indústria, mas sempre serei um indie”, afirmou o senhor de 67 anos, visto por alguns como representante dos predadores, mas que ali se comportava como um fofo coelhinho.

ANDRÉ MIDANI
Nascido na Síria e criado na França, Midani veio parar no Brasil em1955. Membro do Conselho Consultivo da Warner Music International, foi ao Porto Musical falar sobre a história da música brasileira – Midani foi responsável, entre (muitas) outras coisas, pelo boom da bossa nova e por parte dos álbuns consagrados da MPB dos anos 70. Em seu acalorado depoimento, baseado na autobiografia Música, Ídolos e Poder– Do Vinil ao Download, lançou hipóteses sobre o futuro da música. “Estamos em processo de enriquecimento dos países do Oriente, o que fará o Ocidente perder sua hegemonia cultural. O conceito de copyright é desconhecido na Índia e proibido no mundo muçulmano”.

NELSON MOTTA
O showman chegou chegando. Falando como só ele fala, de cara sustentou que download pago é coisa de europeu e que não funciona nem funcionará no “país da boca-livre”. “A banalização da música gravada engrandeceu a ao vivo”, assinalou. Motta foi jocoso quando perguntado sobre a “nova MPB”. “O músico, quando diz pra mim que faz MPB, eu digo que ele é corajoso. Fazer MPB depois de tudo que foi feito? Se não for para fazer melhor, é melhor não fazer”, brincou, falando sério. O jornalista e produtor também apontou o hip hop e a música eletrônica como as grandes invenções do século 21. De quebra, afirmou ainda que a música independente não precisa mais da indústria para existir.



* É jornalista

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